segunda-feira, 24 de março de 2008

brainstorm, ou um dia a mais.

Se sentindo meio mal, sem muita vontade de fazer qualquer coisa e ponderando sobre usar cocaína pra terminar o período, entra no ônibus no calor infernal de três da tarde. a quentura e o vento que entra pela janelinha imunda, a música que escuta a faz pensar no mar, que por de cima da ponte parece simplesmente lindo. depois de descer na parada e atravessar as ruas que odeia atravessar, passar pela parada e lembrar que amanhã de manhã estará lá esperando o maldito ônibus lotado e insuportavelmente quente, o desejo de água e mar se tornam impossíveis de ignorar. a música animadinha a faz ensaiar passos de dança ao atravessar o estacionamento desértico balançando os cabelos curtos e mal presos. sente o suor escorrer, as pessoas ao redor não parecem prestar atenção, nem ela, que pensa em dançar e nos amigos distantes, e como nunca dança com eles, pensa em preguiças que atravessam ruas, pensa em nunca mais sair de casa, pensa em estudar, pensa em se tornar outra, pensa nas coisas que não gostaria de ter dito, pensa em voltar no tempo, pensa em dizer outras coisas, pensa no que fazer, pensa em namorados inexistentes, pensa em sair na sexta pra dançar, chega perto da praia e o mar é a coisa mais linda do mundo. o céu tem milhares de tons de azul-piscina meio neon, meio melancólico, tudo é meio melancólico, inclusive a música que toca depois de descalçar os tênis e as meias e arregaçar as barras das calças. a areia massageia, mas tem tanta sujeira, tanta, ainda assim é bonita, mesmo suja, como ela gostaria de ser, pq as coisas muito perfeitas a incomodam e ela tem medo da transitoriedade do tempo; lembra de filmes, deseja fazer um filme, mas o barulho das ondas rouba sua concentração e ela fica meio hipnotizada olhando-as ir e vir, ir e vir, molha as calças, molha os tênis, fica meio pegajosa, se senta na areia, desenha na areia, queria ter uma câmera digital ou de vídeo, queria registrar aquilo, se bem que essas coisas perdem todo o significado se aprisionadas dentro de imagens paradas ou em movimento falso, dentro de palavras. a música continua tocando e ela se lembra de conversas antigas, se lembra que gosta de pintar quadros, ainda que seja sempre meio frustante, tenta parar de pensar em qualquer coisa, se concentra em mexer na areia levemente. olha pras unhas dos pés azuis e pensa em personagens de filmes, como a menina de cabelo colorido que deita no gelo do lado do jim carrey. se perde em pensamentos e na textura da areia, se sente bem, se sente molhada, leva um susto, está molhada mesmo, e coberta de areia, e suas coisas estão molhadas e sua bolsa vermelha, que sacode pra tirar a água de dentro, e os cadernos, e o celular, bem, depois tudo seca, tudo evapora nessa vida, só sobram depois as marquinhas e fica tudo meio desgastado. se sente mal por estragar um pouco os livros da biblioteca, mas se sente bem em caminhar descalça pra casa, coberta de areia, molhada e descabelada, e cantarola a música dançante que está ouvindo enquanto um cara em cima do muro a olha sem saber como reagir. o porteiro diz boa tarde e ela responde, e pensa que nunca havia soado tão sincera na vida. sobe no elevador, ninguém em casa, é, melhor assim, acha. tira a roupa na área de serviço que é pra não sujar o chão e vai de calcinha e sutiã pro banheiro se olha no espelho e se acha bonita descabelada, e deseja que outros a vissem assim também, enquanto pensa nessa narrativa, organizando palavras na cabeça, toma banho e a água com cloro do chuveiro lava a felicidade embora, e ela se encosta na parede e vai descendo devagar até estar acocorada no chão, como nessas cenas de filme, só que se sente tão mal quanto nenhuma atriz já pode representar, e termina de tomar banho com o sabonete, que cheira bem. se enrola na toalha, pega duas fatias de pão com requeijão e se senta na poltrona da sala pra assistir o final de o morro dos ventos uivantes,s e diverte vendo mulheres brigarem pelo amor de um homem e pensa que já não se fazem filmes como antigamente, o que sabe ser meio bobagem, meio verdade, mas o interfone toca e ela passa um tempão escolhendo que roupa usar pra receber o vizinho de cima e o encanador, que vêm olhar a infiltração na parede. e vendo o velhinho ela se lembra de todas as coisas que tem que fazer e que gostaria de fazer e tem vontade de entrar em coma e dormir. melhor fazer o dever de gráfica.